O PRIMEIRO ENCONTRO
Minha vida é comum, igual a de todas as
pessoas. Mas eu não me sinto assim. Não me sinto igual, na verdade, eu não me
sinto normal. Todas as garotas na minha idade têm expectativas da vida. As
minhas expectativas são totalmente diferentes, erradas, para elas. Meu sonho
não é casar, ter filhos, me apaixonar. Essas coisas piegas que toda garota
quer. Eu tenho 18 anos e hoje é o meu primeiro dia na faculdade. Eu pretendo
ser jornalista, ter um bom trabalho, comprar uma casa e... não sei. Não gosto
muito de pensar no futuro. Eu sou presente, e nesse momento eu devo entrar na
sala e assistir a primeira aula de um professor careca e muito gordo. É, essa é
a minha vida.
Minha
turma é grande – mais mulheres que homens - e a sala pequena, mas, Graças a
Deus, eu consegui um cantinho pra ficar sozinha no fundo da sala perto de uma
janela onde dava pra ver a floresta ao lado. Ou não. Uma garota veio se sentar
perto de mim, puxando um papo sobre as suas expectativas, que não eram nem um
pouco parecidas com as minhas. Ela tagarelou a aula toda sobre seus namoros
frustrados e notas baixas em matemática. Tirando isso, ela era legal, muito
superficial, mais ainda assim legal. Usava roupas que sugeriam marcas caras. O
nome dela era Rayna. Que nome esquisito. Ah, o meu nome é Roberta.
- Você tem namorado?
Ela quis
saber.
- Não.
Como eu não
falei mais nada, enfim, ela se calou e tentou prestar atenção na aula. Eu me
desliguei dela e sem consegui prestar atenção no professor - que não tinha lá
uma didática muito boa – e olhei pela janela, pra ver o resquício de floresta
que seguia próximo ao campus. Era lindo, as primeiras árvores eram baixas, mas
a medida que se seguia a mata ia se tornando mais densa. Com árvores altas e
sinuosas. Dava para ouvir o canto de algumas aves ao longe, e eu até consegui
ver uma casal de periquitos levantando voo de um galho pra outro, em um lugar
mais alto. Estava pouco ciente do que o professor falava, mas ouvi que ele ia
terminar a aula mais cedo, por que o reitor ia dar as boas vindas aos novatos,
no pátio em frente à reitoria.
Quando estava voltando os olhos para o
professor, vi algo, mas não acreditei. Eu arregalei os olhos cheios de surpresa
e interrogações. Eu nunca achei que isso pudesse acontecer, não aqui. Mais meu
coração começou a disparar quando eu vi um garoto correndo. Não por que ele era
bonito, nada disso, mais por que ele levava uma faca na mão. Isso mesmo, uma
faca. Ele corria atrás de uma menina, e ela mexia a boca, mas não dava pra
saber se ela estava gritando ou rindo. Eu fiquei apavorada, o que será que ele
ia fazer com aquela faca? Será que ele ia matar a garota? Meu Deus, eu não
podia acreditar. A sirene do intervalo tocou e eu saí rápido da sala. Sem
pensar eu comecei a andar pra onde o garoto tinha ido. Os outros alunos tomaram
um rumo diferente do meu, iam se dirigindo para o pátio.
Eu não queria presenciar a cena de um crime,
mais também não queria sentir a culpa por omissão. Caminhava lentamente, eu
estava apavorada. Quando eu entrei na floresta, eu ouvi um grito, mas não era
de dor ou medo. Era de diversão. Depois de passar com cuidado por alguns galhos
que estavam no chão, eu vi a menina correndo e rindo. Nossa, eu achei que o
garoto ia mata-la. Eles deviam ser namorados. Estavam abraçados. Depois de me
abaixar e tirar um galho que me impedia de ve-los, eles se sentaram no chão. A faca estava alguns metros a frente e devia
ter sido usado pra cortar os galhos que atrapalhavam a passagem do casal
apaixonado. Estavam de frente um para o outro. Ele colocou a mão no bolso e revelou
a ela uma caixinha, não dava pra ver o que era de onde eu estava, mas eu imaginei
que fosse um anel. Ela sorriu e o abraçou.
Ela era muito linda, tinha a pele e os cabelos
claros. Os olhos eram pretos. Estava com um vestido rosa claro. Ele tinha o
mesmo tom de pele, mas os cabelos eram escuros como carvão, que dava um
contraste perfeito. Lindos, formavam um par perfeito. Realmente eu fiquei
frustrada. É, frustrada, por que eu achava que cenas assim só se passava em
filmes ou novelas. E ver isso na realidade foi triste. Triste pra mim, pra eles
deve ter sido inesquecível. Eu só me apaixonei uma vez, e foi a pior
experiência da minha vida. Ele era um idiota. Todos os garotos que eu conheci desde
então eram IDIOTAS. Por isso eu nunca tive um namorado. Não conseguia passar um
minuto ouvindo as velhas cantadas que todos falavam. Como é que eles pensavam
que iam conquistar alguém com isso? Mas o garoto do bosque, não. Ele não era
idiota.
Eu saí de lá bem devagar para eles não me
notarem. Tomando cuidado para não pisar em algum galho solto no chão, e fazer
barulho. Fiquei sentada num banco perto da sala, de lá dava pra ver quando o
casal saísse do bosque. Os alunos ainda seguiam a mesma direção e o reitor não
tinha começado a falar. Depois de uns dez minutos eles saíram, ainda rindo.
Estavam de mãos dadas, olhando um para o outro como se não houvesse mais ninguém
no mundo. Eu fiquei olhando eles até sumirem na multidão que se formava no pátio
para esperar o Reitor falar. Então eu levantei e fui ouvir as boas vindas do
Reitor.
Era um homem
baixinho, de barba e bigode, com uma voz irritante. Eu não ia aguentar muito
tempo do discurso dele. Falou sobre as novas metas que ele ia alcançar, obras
que iria começar, etc, o tipo de coisa que todos os políticos e reitores falam.
Tentei encontrar na multidão de pé em frente
à reitoria, o casal de namorados, mas havia gente demais, e eu com meu metro e
sessenta e oito, não conseguia enxergar muita coisa ao meu redor. Depois de uma
eternidade o reitor dispensou os alunos pra voltarem as suas salas.
Minha próxima aula era de Língua português 1,
eu esperava que fosse mais interessante e que conseguisse prender minha
atenção. Não queria mais ficar pensando no bosque, nem nos dois pombinhos. Eu
tinha que me lembrar de que estava ali pra estudar, e era isso que eu ia fazer.
O professor Luís Valença, era o que se pode chamar de esnobe. O homem era o
egocentrismo em pessoa. Só consegui ouvir ele falar de seus mestrados e
doutorados e Phd e especializações... Era uma aula de português e não uma exposição
de títulos. Ele começou a aula depois de uma década e terminou ela depois de
três décadas. Eu não via a hora de ir pra casa. Depois de um dia horrível, eu só
queria me deitar e dormir. A minha sala só tinha patricinhas insuportáveis, que
só falavam coisas supérfluas, incluindo a Rayna. Eu tinha descoberto que amor
de verdade existe, estava com calos nos pés por ter ficado horas ouvindo o
discurso interminável do Reitor em pé. Eu odeio a faculdade e tudo que existe
nela. Principalmente o casal romântico e apaixonado do bosque. Peguei meu
caderno e sai rápido da sala. Quando cruzei a porta eu esbarrei em um garoto.
Quer dizer, um garoto não, O garoto. Era ele, o garoto do bosque.